Desde 1999 que o Grupo RAR abre as portas das suas empresas ao olhar de artistas portugueses, convidados a traduzir em obra a sua visão do Grupo RAR.
A partir das obras realizadas e com design gráfico do Atelier Nunes & Pã, são elaboradas as brochuras dos Relatórios e Contas do Grupo RAR.
É nisto que consiste o Projeto “Um Olhar sobre a RAR", comissariado, até 2010, por Miguel von Hafe Pérez, e, de então até 2014, por Marta Moreira de Almeida.
Para comemorar os 15 anos do “Um Olhar sobre a RAR", na brochura do Relatório e Contas de 2014 são revisitadas obras produzidas por todos os artistas convidados e foi criado este site, uma forma de ilustrar o percurso de um projeto e de dar a conhecer um grupo de empresas com mais de meio século de existência, mas que se sente “confortável na contemporaneidade”.
O “Um Olhar sobre a RAR” não se resume a uma mera ilustração de um Relatório e Contas: representa já uma coleção de obras autónomas de autores fundamentais no panorama da arte contemporânea portuguesa. Algumas das obras – fotografia, pintura, escultura, desenho, vídeo – estão expostas nas diversas empresas do Grupo, provocando, interrogando, desafiando e fazendo com que quem as olha atente em pormenores nunca antes notados.
A partir do momento em que selecionamos um artista, entre os propostos pelo comissário, não lhe impomos restrições e sujeitamo-nos ao olhar que a nossa realidade lhe possa inspirar. Abrirmo-nos ao exterior, apresentando não o que achamos ser, mas o que o artista acha que somos. A descoberta desta outra leitura dá-se logo nos primeiros contactos com o artista convidado, que interroga, aponta, desenha, passa os dedos pelas superfícies, testa texturas.
Há duas etapas distintas no projeto: uma primeira, a obra dos artistas propriamente dita, e uma segunda, que se prende com o trabalho do Atelier Nunes & Pã, para dar às obras expressão gráfica e as inserir na brochura do Relatório e Contas do Grupo RAR, trabalho que mereceu reconhecimento internacional por dois anos consecutivos, com a atribuição do "RedDot Design Award" em 2009 e 2010.
O resultado?
O resultado é surpreendente, a avaliar pela curiosidade, por vezes espanto, dos destinatários, quando são confrontados com um Relatório e Contas que encerra em si algo mais que a história dos números.
Quando se iniciou o projecto “Um olhar sobre a RAR” há quinze anos não creio que se pudesse ter imaginado a consistência e qualidade dos resultados finais das encomendas, tanto na vertente dos próprios Relatórios e Contas, como nas obras que entretanto foram especificamente criadas para este contexto.
Relembremos como tudo se iniciou: a partir de um convite do designer João Nunes, foi-me proposto pensar na possibilidade de se convidarem artistas plásticos nacionais a visitarem as instalações das empresas do Grupo RAR para a partir de aí interpretarem visualmente aquilo que viram e sentiram. Do conjunto de obras criadas, algumas seriam aproveitadas para intercalar a informação contida nos Relatórios e Contas, dando um carácter único a cada uma das suas edições. Desde o início se procurou que a empresa viesse a adquirir uma parte substantiva do trabalho realizado por cada autor, o que leva a que hoje, depois de quinze anos e quinze artistas, se possa começar a falar numa significativa colecção de arte contemporânea portuguesa.
O design do Atelier João Nunes, agora Atelier Nunes&Pã, sempre evidenciou um cuidado extremo na elaboração gráfica destes Relatórios e Contas, algo que viria a ser premiado internacionalmente. Quanto aos artistas, os convites correspondem a uma fórmula muito pouco habitual no nosso país, dando liberdade criativa total e garantindo a compra de obra.
É esta, então, a forma simplificada como o projecto se tem vindo a desenvolver. Como em qualquer ramo de actividade, e muito particularmente no universo da intervenção cultural, a palavra-chave é continuidade: quantos recursos se desbaratam em acções cuja interrupção supõe recomeços dificultosos? Este é, em muitos casos, o paradigma que tem vindo a estancar um desenvolvimento pleno de muitos sectores da nossa sociedade: mudam governos, mudam administrações, mudam protagonistas e a tentação é, invariavelmente, a de se fazer tábua rasa do passado imediato para se inventar aquilo que frequentemente não precisa de ser reinventado…
O prazer de se trabalhar com um contexto estável não tem preço. Ideias como as que presidiram à consolidação de um projecto qualificado não precisam de ser reformuladas se a sua trama permite resultados finais apreciáveis. Porque aqui a variável é uma certeza: cada artista transporta consigo um lastro criativo próprio e a sua interpretação deste universo empresarial será sempre diferenciada (e, paralelamente, a criação gráfica também se reinventa de ano para ano).
Os quinze artistas que protagonizaram este projecto são presenças importantes no contexto da arte contemporânea portuguesa. Assim, ao valor intrínseco de ser proprietário de obras com as suas assinaturas, acresce a mais-valia da especificidade das suas criações. Atravessando as mais díspares disciplinas, da pintura à escultura, do desenho à instalação, da fotografia ao vídeo, passando inclusivamente por intervenções sonoras, a perspectiva global é a de uma diversidade qualificada.
Não deixa de ser curioso apreciar o modo como os diferentes autores reagem ao que lhes é dado a ver. Se uns se impressionam mais pelo aparato tecnológico, pela beleza que pode estar contida em certas máquinas e aparelhagens, outros sublinham com maior ênfase a presença humana, retratando movimentos, olhares ou simples presenças num determinado ambiente.
Não se trata, evidentemente, de uma encomenda apologética, mas o que também é evidente é que a alma de uma empresa se sedimenta tanto nesses pequenos, rotineiros e discretos gestos de um trabalhador, quanto na grandiosidade de alguns espaços industriais ou agrários, por exemplo.
Este património imaterial que representa um lado pouco visível para o público em geral na história das empresas é aqui documentado sem pretensões veristas. Cada artista filtra subjectivamente aquilo que vê e devolve-nos uma realidade parcial que ajuda a reorganizar a própria apreensão do real. Micro histórias dentro da história. Micro histórias que agora fazem parte desse património.
Miguel von Hafe Pérez